domingo, 27 de janeiro de 2013

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Mesmo que não fosse necessário, eventualmente, provavelmente embalado pela passagem calma do tempo, eu acabava cochilando. Não era como o meu sono de antes. Mergulhava em uma semiconsciência que por vezes trazia até mim vozes à muito tempo esquecidas num passado distante. Algumas eram queridas e outras, nem tanto. Estava um dia assim mergulhado em mim mesmo quando senti alguma coisa gelada roçar minha mão. Acordei dando um pulo assustado que logo foi substituído por um grito de surpresa que naquele enorme salão silencioso tinha o mesmo impacto que um trovão. Jesse e Immia surgiram não sei de onde como se tivessem sido atraídos pela minha voz. A simples visão daqueles dois me fez recuperar um pouco a compostura, já que eu tinha realmente a impressão de que eles tinham um entendimento muito próximo do meu de todas as coisas que eu dizia ou fazia. O que assustara imensamente era um tapete vivo de enormes sapos esverdeados que se arrastavam pelo chão em silêncio. Era uma tal quantidade que o fato de não produzirem nenhum ruído apenas deixava a cena ainda mais apavorante. Não que eu tivesse algum medo supersticioso com relação a esses répteis. Era a quantidade que me assustava. Aquelas patas se esgueirando por cima uns dos outros como se fossem uma onda. 
- E agora? - Perguntei para meus dois mudos companheiros como se eles fossem capazes de dar-me uma resposta.
Eles que haviam permanecido ao meu lado, flutuando em complacente contemplação, ante minha pergunta, voaram velozes até um dos corredores de livro e por lá desapareceram. Como já estava trepado em cima do sofá, tudo o que pude fazer foi observá-los impotente.
- Traidores. 
Mal falei eles voltaram ao meu campo de visão, deram algumas voltas no ar e tornaram e voar pelo mesmo corredor. Fizeram isso mais umas três ou quatro vezes antes que eu concluísse que aquilo que desejavam era que eu os seguisse. Olhei um tanto quanto enojado para o chão criando coragem para a minha empreitada e ajeitei cuidadosamente meu medo em um canto, me agarrando à lógica. Eram apenas sapos afinal.
Meti o pé entre eles até sentir o chão horrorizado ante a ideia de ter de ir esmagando sapos sobre meus pés até chegar do outro lado. Iniciei uma caminhada esquisita, arrastando a sola dos pés pelo chão e fazendo uso da força das pernas para arrastar para fora de meu caminho as criaturas pegajosas. Quando cheguei à entrada do corredor, lá estavam Jesse e Immia me esperando. Sairam voando para o fundo do corredor.
Seria mesmo pedir demais que a causa para aquele pandemônio estivesse ao lado da minha mesinha. Pelo menos, daquele ponto em diante, eu contava com as prateleiras. Trepei na primeira que era bem sólida e alta  ficando fora do alcance dos bichos e iniciei minha escalada andando pelos beirais e me apoiando nas prateleiras. 
Após alguns minutos avançando detectei Jesse e Immia dando voltas em um ponto do corredor e aos poucos fui galgando a distancia até que finalmente, ao me aproximar, percebi que naquele ponto existia um monte por onde os sapos com que brotavam indo por todos os lados. Um fino raio de luz vindo de uma das janelas altas, conseguia transpor as pesadas estantes e derramar-se bem naquele ponto. Como as aves não parassem com seus voos justo naquele ponto, imaginei que ali encontraria o motivo daquele pandemônio. Respirei fundo e enfiei-me novamente entre aquelas criaturas arrastando os pés até aquele ponto. O pior estava por vir. Eu teria de enfiar as mãos naquilo para ver do que se tratava. Controlei minha ojeriza, dobrei meus joelhos e enfiei minhas mãos no meio daquelas criaturas frias e pegajosas, apalpando até conseguir sentir o chão e depois deslizando a ponta dos dedos até sentir a textura de algo. Puxei o objeto para fora. 

Em meio à encadernação aberta os sapos continuavam saindo e caindo pesadamente pelo chão. Sem pensar duas vezes fechei o livro. Como se fossem bolhas de sabão, todos os sapos a partir do ponto em que eu estava foram explodindo e desaparecendo até não restar nenhum vestígio de sua presença naquele lugar. Olhei novamente para a capa do livro intrigado. O que estaria acontecendo? 

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